Política e Psicanálise, uma escolha.

A vida é feita de escolhas. Elas moldam a vida da gente como o chapéu é moldado pelo dono à sua cabeça. Muitas pessoas têm me perguntado sobre o por quê de eu não ter me candidatado este ano para o cargo de vereador. Não é fácil responder à pergunta, mas se pensarmos na escolha, esta é uma boa resposta. Nos últimos meses tomei algumas decisões e entre elas está a psicanálise e meu retorno à um aprofundamento da teoria que me leva de encontro com minha clínica que é meu trabalho hoje. A contribuição de Freud para o esclarecimento do fenômeno político pode também levar a esse esclarecimento inicial. A preocupação de Freud com o “social” acentuou após a Primeira Guerra. Nos seus dois ensaios de 1915 e outro de 1922, procurou mostrar a hipocrisia da sociedade moderna e o caráter primário das tendências agressivas. Admitindo que o nosso inconsciente mata, mesmo por motivos insignificantes, vê na eclosão da guerra uma prova disso. Os homens não desceram tão baixo por ocasião da guerra, dizia ele, porque nunca estiveram tão alto como pensavam achar-se. Para Freud, a sociedade política corresponde ao desejo irracional do homem em restaurar a autoridade; com a morte do pai primitivo, surge no homem a “nostalgia do pai”. Para ele, o governo não surge de um contrato social, mas, de uma resposta contra-revolucionária, que emerge após a queda do governo patriarcal e representa o desejo majoritário dos cidadãos-irmãos, não é uma manifestação de prudência do grupo. Os mitos do contrato social, no universo psicanalítico, podem ser vistos como reafirmação da vontade do pai acima dos impulsos rebeldes dos filhos. O contrato social, na medida em que significa o ingresso da sociedade na organização política histórica, representa a aceitação da derrota da maioria, ela que, mediante a restrição exogâmica de novas conquistas sociais, ninguém pode alcançar outra vez o supremo poder do pai, embora todos tivessem lutado para isso. Na forma de horda, família ou governo, para Freud o que existe é o controle da liberdade de ação. A existência da lei mostra a força dos desejos ocultos, a existência de uma necessidade interna, que a consciência desconhece. Daí Freud reconhecer que o desejo funda a necessidade da lei. O caráter complexo dos desejos explica a complexidade das interdições sociais. O desejo de poder é contagiante, todos querem ser reis. O excessivo respeito, a cortesia, e as regras estritas de etiqueta em relação ao “chefe” são derivadas do “medo de tocar” do primitivo, segundo Freud, medo de contatar pessoas pelas quais sente hostilidade inconsciente, sejam chefes, mortos ou recém-nascidos. Para ele, todos os gestos de submissão são ambivalentes, daí o respeito e o afeto esconderem hostilidade inconsciente. Freud venera quem estabelece regras como Moisés e simpatiza com que as contraria, como Ricardo III. Todos nós sofremos alguma ferida narcisista, daí a nossa simpatia para com ele. Para ele, a esfera política opera como extensão da esfera particular, a veneração exagerada do homem público é vista como recorrência da admiração do filho pelo pai. Quanto mais carente de atenção e afeto, nas relações pessoais, tanto mais tende a personalidade a “externalizar-se” à esfera pública; nessa procura de aceitação, amor e cumplicidade. Não é possível o fanatismo na política, quando o partidário reconhece no seu líder o deslocamento da imagem paterna, da mesma forma como o crente fraqueja quando analisa sua conduta religiosa com destino à ilusão. Freud realiza uma crítica da política na media a que vincula neurose e poder, sintetizados em Ricardo III. Freud colocou em xeque o exercício ‘livre’ da cidadania, na medida em que descobriu o quanto de ‘irracional’ esconde a conduta do cidadão médio. Para o fundador da Psicanálise, a política era algo que ocorria na psique dos indivíduos, daí sua psicologia ser tanto individual como social. Acredito que mesmo parecendo uma escolha individual, ela também tem seu caráter social. E mesmo não estando como candidato na política, faço hoje política do meu jeito, com minhas atitudes, com a psicanálise.

Comentários

  1. Olá! Procurava apenas uma gravura para ilustrar meu post de hoje. Fui no google e coloquei "dois amores" e apareceu "duas metades" e quando cliquei na gravura das maçãs fui remetida ao seu blog.Como tive muita sintonia com o que você escreve e descobri que você também é Psicólogo, resolvi seguir seu blog. Ainda não li todos os seus posts mas já percebi muita sensibilidade, generosidade... entre outras qualidades. Parabéns por sua visão de mundo! Um ótimo domingo!

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